sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Esta valsa é minha, Zelda Fitzgerald

Título:Esta valsa é minha
Autor: Zelda Fitzgerald
Tradução: Rosaura Eichenberg
Edição: São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

Esta valsa é minha, de Zelda Fitzgerald, é um romance muitas vezes delegado à posição de complemento da obra prima do marido de sua autora, o romance Suave é a noite, de F.Scott Fitzgerald,. Essa relação ecoa também a de Zelda na História da Literatura: foi um dos ícones de sua época junto ao seu marido. Eram dois jovens belos e excêntricos, cuja imagem de excessos inebriantes escondia uma condição financeira instável. Juntos, incorporavam o espírito americano das tumultuosas décadas de 20 e 30. A situação de Esta valsa é minha torna-se ainda mais complicada ao sabermos de seu caráter autobiográfico. Escrito pela autora durante uma de suas internações – sofreu de esquizofrenia – e editado e publicado posteriormente com a ajuda de seu marido, é impossível falar de Zelda seriamente sem dar certo peso às acusações completamente plausíveis de que Scott aproveitava-se de trechos inteiros escritos pela esposa. Se, para o leitor de ambos, parece inegável que há algo compartilhado no estilo dos dois, os protestos conhecidos da autora a respeito do silenciamento que sofria não parecem tão absurdos assim, embora sejam muitas vezes descreditados em favor de seu marido.
Por conta do drama real que envolve o único romance da autora, a obra é constantemente analisada com base nessas hipóteses e tem seu valor questionado e sua estrutura considerada obra do mero acaso. Zelda é definitivamente mais experimental que seu marido, seja lá qual for a motivação para isso, o que torna Esta valsa é minha  um romance difícil de adentrar. O ritmo desenfreado com que acompanhamos as memórias de infância de Alabama, personagem central, pula de recordação para recordação tão rápido que desnorteia o leitor. Não se trata, no entanto, de um fluxo de consciência, uma vez que a narrativa acontece predominantemente em terceira pessoa. P trabalho narrativo apresenta rupturas em alguns momentos desconcertantes, seja por uma mudança no foco, que abandona Alabama para descrever os pensamentos de outras personagens muito ocasionalmente, seja pelo uso inesperado de um “nós” que culmina em um interessante diálogo. Hasting, antipático amigo escritor do marido de Alabama, diz ser da opinião de que que não adianta elaborar as relações humanas, ao que Alabama indaga tanto a ele quanto ao leitor: “diga-me, quem é este nós hipotético?”, logo após presentearmos com alguns parágrafos em que a terceira pessoa do plural é usada.
O fio condutor dessa narrativa é o processo de desligamento de Alabama de quem foi um dia e sua total absorção no papel de esposa de David Knights, famoso e consagrado pintor. Das memórias confusas da infância, a corte e o casamento, a mudança para Nova Iorque e, depois para a Europa e, finalmente, sua tentativa de firmar-se como bailarina, o ritmo da narrativa acompanha a vida da narradora. É quando resolve dedicar-se totalmente ao balé, empreitada fadada ao fracasso devido a sua idade avançada para uma principiante, que vemos uma ordenação mais clara dos eventos. Ora, a vida também torna-se mais clara para Alabama, que pela primeira vez impõe-se uma rotina dura, ignorando tudo que seja alheio ao seu objetivo.
   Parece leviano, para o leitor mais atento, deixar-se levar pelos julgamentos de caráter de Zelda e ignorar a possibilidade de uma intencionalidade nessa progressão interessante presente em seu romance. 
Começamos com uma prosa extremamente desordenada e uma personagem jovem e impulsiva, terminamos com uma narrativa convencional na medida em que Alabama também se vê obrigada a ceder a uma vida convencional. Seu sonho de ser bailarina, uma última tentativa de ser relevante por si só, e seu pai morrem. Alabama volta para o seio familiar, parecendo conformada com sua posição como Mrs Knight.
Não só são modernas suas escolhas artísticas, é também assim seu olhar sobre as relações humanas. Há muitos silêncios no romance: não há cenas de sexo explícitas ou grandes cenas de amor. Intencionais ou não – o livro foi revisado e editado por F. Scott Fitzgerald – essas ausências fazem com que tenhamos acesso a tudo, mas o cerne do romance mantenha-se misterioso: não sabemos ao certo quem é Alabama pois ela também não o sabe. Ao invés de digressões somos presenteados com descrições que nem sempre esclarecem adequadamente as situações.
Isso, porém, prejudica um pouco o livro, dando-lhe um ar de incompleto que realmente prejudica uma obra que apresenta grande potencial no que experimenta. Ao leitor, então, cabe dar o peso adequado ao que acontece, uma vez que o romance lida com os namoricos de Alabama e sua quase amputação do pé da mesma maneira crua e objetiva.
Esta valsa é minha é um romance interessante em suas escolhas, pitoresco em seu retrato da cultura americana e do meio artístico e valoroso em sua honestidade. Independentemente de seu valor terapêutico para a autora ou de tomar para si os mesmos fatos autobiográficos que receberam tratamento tão diferente na obra de F.Scott Fitzgerald, é uma obra de valor independente das relações que possam ser estabelecidas a partir de si.

Nota: ♥♥♥

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