quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

A trégua, Mario Benedetti


Título: A trégua
Autor: Mario Benedetti
Tradutor: Joana Angelica D´Ávila Melo
Edição: Coleção Folha. MEDIAfashion: São Paulo, 2012. 1 ed.

Mario Benedetti, um dos principais nomes da literatura uruguaia, é autor de ficção, poemas e ensaios. O romance A trégua teve sua primeira publicação em 1960 e, em 1974, recebeu adaptação cinematográfica indicada ao oscar de filme estrangeiro. Além de sua força presença como escritor, Benedetti participou ativamente da militância política de seu país, abandonando-o em oposição ao golpe de estado de 1973. 
A trégua tem como narrador Martín Santomé, que escreve em seu diário os acontecimentos em seu último ano de serviço antes da aposentadoria. Martín trabalha desde jovem na mesma empresa, onde exerce um cargo puramente burocrático que exige-lhe ao mesmo tempo atenção, mas oferece pouco ou nenhum estimulo intelectual. Sua apatia estende-se também ao trato com a família – é pai de três jovens adultos com quem vive, embora sinta-se distante deles. Sua mulher, Isabel, morreu ainda jovem ao dar a luz para o caçula da família e, desde então, Martín não travou outros relacionamentos românticos.
Martín é, assim como seu emprego, essencialmente banal, embora imagine-se superior por ter consciência disso e certo desprezo pelos que o rodeiam. O que torna A trégua interessante é que, ao colocar-nos como confidentes de Martín, sua falta de senso crítico a respeito de si mesmo fica entre o cômico e o trágico, uma vez que o personagem julga-se bastante cínico e realista. Enquanto Martín julga o que considera “falta de caráter” nos outros, sua relação com seus filhos – em especial, o caçula Jaime – aparecem constantemente para lembrar-nos de suas falhas. É, no que tem de desprezível, extremamente humano na medida em que é incapaz de enxergar a si mesmo com clareza ao mesmo tempo que julga-se capaz de fazê-lo.
Se a angústia causada pelo prospecto de não possuir mais o trabalho mecânico e pouco estimulante como alívio para as tensões familiares mal-resolvidas é o que impulsiona os dias de Martín, uma disrupção à ordem surge na forma da jovem Avellaneda, uma das três funcionárias que o narrador deve treinar antes de aposentar-se. A princípio, sua atitude defensiva indica pouco conforto da jovem moça em sua posição na empresa cheia de homens. Aos poucos, no entanto, seus laços com Martín estreitam-se em um novo relacionamento amoroso que os permite exorcizar seus conflitos internos. 
Benedetti constrói um universo pequeno e interconectado ao investir em personagens que espelham uns aos outros. Martín mantém relações com o sensato Aníbal, a quem deseja emular, e o rídiculo Vignale, cujas aventuras amorosas despertam somente desdém por sua falta de medida. Isabel mantém-se detentora do Martín do passado, enquanto Avellaneda e Blanca, sua filha, aproximam-se em seu desejo de compreendê-lo no presente. A revelação da homossexualidade de um dos funcionários da empresa ecoa, mais tarde, na relação de Martín com Jaime. Se Jaime rejeita o pai, Esteban busca sutilmente sua aprovação. As relações (na maior parte das vezes, frias) entre estes personagens enredam os pensamentos do narrador, cujo ídilio amoroso que promete refúgio é, pela segunda vez, interrompido bruscamente. 
A prosa de Benedetti é elegante e fluída sem trair seu narrador, um homem sem pretensões eruditas. Suas reflexões honestas são ora pungentes, ora cômicas e tingidas da amargura de quem assistiu sua vida escorrer sem sentir-se, de fato, envolvida nela. Um retrato do Uruguai não é, aqui, um objetivo central, mas ao retratar o homem médio uruguaio Benedetti permite-nos refletir também sobre a inevitável incoerência e hipocrisia humana que impede-nos de enxergar com clareza nossas próprias deficiências. 

Nota: ❤❤❤❤

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