Título: A vegetariana
Autora: Han Kang
Tradução: Yun Jung Im
Edição: São Paulo: Devir, 2013.
Han
Kang é uma escritora sul-coreana bastante premiada em seu país natal e com uma
considerável lista de obras publicados. A
vegetariana, em seu formato romance-novelas, é o título responsável por,
finalmente, chamar atenção do público ocidental, rendendo-lhe inclusive um Man Booker International Prize este ano.
A autora representa uma geração de escritores coreanos menos preocupados com as
chamadas “questões nacionais” fortemente presentes no país de independência
consideravelmente recente, mas história antiga. No entanto, é ainda marcada
pela inescapável reflexão que muito progresso em pouco tempo ocasiona, só que
pelo viés do cotidiano e das pressões sociais, provavelmente o motivo pelo qual
torna-se também mais acessível ao público estrangeiro.
A vegetariana demonstra magistralmente
em suas três novelas como pequenas rebeliões podem impulsionar a completa ostracização
do indíviduo que perturba, ainda que minimamente, a ordem e leva o descompasso
entre o indivíduo e a vida em grupo até as últimas consequências.
O
livro divide-se em três novelas que funcionam independentemente, mas também
estão interligadas e estabelecem certa sequência de eventos – que é afrouxada
pelas informações sobre o passado das personagens espalhadas ao longo das três
de forma bastante inteligente. A personagem central aqui é Yeong-hye e seu
núcleo familiar e cada novela possui um narrador diferente dentro desse
círculo.
A
primeira novela leva o mesmo nome que o livro e é narrada pelo marido de
Yeong-hye. Ele apresenta-nos sua esposa (a quem jamais refere-se pelo nome)
como uma mulher comum, sem uma beleza ou inteligência excepcional e que jamais
despertou-lhe emoções intensas. Pelo contrário, vê nessa banalidade do
relacionamento dos dois sua maior qualidade: a mulher é alguém que limpa a
casa, faz sua comida e com quem pode manter relações sexuais sem ter que pensar
muito sobre essas coisas. A única reclamação que tem é o hábito da esposa de
não usar sutiã.
Um
dia, sua esposa decide parar de comer carne após ter um sonho – e as descrições
desse sonho são um dos únicos vislumbres que temos da sua interioridade – e
parar de prepará-la também. Em um primeiro momento, ele acredita ser algo
passageiro, mas conforme sua esposa mantém firme a resolução, o casamento dos
dois começa a desmoronar. O conflito culmina em um almoço em família, em que os
pais de Yeong-hye tentam intervir, mas acabam levando-a a uma tentativa de
suicídio e subsequente internação.
A
segunda novela chama-se “A mancha mongólica” e é narrada pelo cunhado de
Yeong-hye, um artista audiovisual que vive efetivamente sustentado pela esposa,
com quem tem um filho pequeno. Ele é
quem leva a desacordada Yeong-hye ao hospital e começa a nutir uma obsessão por
ela ao descobrir que, assim como seu filho, ela possui uma mancha mongólica
esverdeada, mas na nádega. Essa mancha desencadeia uma visão artística cuja
força o impele a arriscar seu casamento para vê-la concretizada em um
controverso trabalho.
Por
fim, “Árvores-flamas” traz a visão da irmã mais velha de Yeong-hye, sua
sensação de culpa por ter superado as dificuldades da infância e por ter
falhado em proteger a irmã dos homens em sua vida – o pai, o marido de
Yeong-hye e o seu próprio marido. A proximidade que o laço entre as duas cria
faz com que ela seja a única a perceber a fragilidade da irmã e também com que,
ao acompanhar sua loucura, sinta intensamente quão próxima está de perder-se -
seu filho é a âncora que a prende ainda na realidade, um tipo de relação que
Yeong-hye desconhece.
Yeong-hye
não torna-se simplesmente vegetariana como uma decisão política e consciente,
mas sim cai irresistivelmente em um processo de lenta metamorfose kafkiana,
deixando o mundo dos seres vivos para, dolorosamente, fazer parte do mundo
vegetal. A prosa belíssima de Han Kang adapta-se aos seus narradores de maneira
brilhante - a aridez da primeira novela,
contaminada pela total falta de sensibilidade e imaginação de seu narrador, a
idealização exagerada da figura de Yeong-hye na segunda, dessa vez contamidade
pelo excesso de sensiblidade e imaginação de quem narra e, por fim, o relato
amoroso e sofrido da irmã e mulher na terceira juntam-se para humanizar a
protagonista do romance e fazer-nos sentir a agonia da sua impossibilidade de
comunicação – ela é uma figura que em mãos menos talentosas poderia ser caricata,
mas que aqui é uma vítima dos papéis que lhe são impostos, cujo sofrimento
pungente comove na sua recusa de exercer qualquer tipo de papel predatório. A
tradução dá conta do recado, trazendo informações importantes sobre alguns
pronomes de tratamento e até mesmo culinária da Coréia, porém a diagramação e
tratamento do texto deixam a desejar. De qualquer forma, A vegetariana é uma obra marcante, belíssima e que merece o reconhecimeto
que tem angariado recentemente.
Nota: ❤❤❤❤❤
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