quarta-feira, 13 de julho de 2016

A vegetariana, Han Kang

Título: A vegetariana
Autora: Han Kang
Tradução: Yun Jung Im
Edição: São Paulo: Devir, 2013.

            Han Kang é uma escritora sul-coreana bastante premiada em seu país natal e com uma considerável lista de obras publicados. A vegetariana, em seu formato romance-novelas, é o título responsável por, finalmente, chamar atenção do público ocidental, rendendo-lhe inclusive um Man Booker International Prize este ano. A autora representa uma geração de escritores coreanos menos preocupados com as chamadas “questões nacionais” fortemente presentes no país de independência consideravelmente recente, mas história antiga. No entanto, é ainda marcada pela inescapável reflexão que muito progresso em pouco tempo ocasiona, só que pelo viés do cotidiano e das pressões sociais, provavelmente o motivo pelo qual torna-se também mais acessível ao público estrangeiro.
            A vegetariana demonstra magistralmente em suas três novelas como pequenas rebeliões podem impulsionar a completa ostracização do indíviduo que perturba, ainda que minimamente, a ordem e leva o descompasso entre o indivíduo e a vida em grupo até as últimas consequências.
            O livro divide-se em três novelas que funcionam independentemente, mas também estão interligadas e estabelecem certa sequência de eventos – que é afrouxada pelas informações sobre o passado das personagens espalhadas ao longo das três de forma bastante inteligente. A personagem central aqui é Yeong-hye e seu núcleo familiar e cada novela possui um narrador diferente dentro desse círculo.
            A primeira novela leva o mesmo nome que o livro e é narrada pelo marido de Yeong-hye. Ele apresenta-nos sua esposa (a quem jamais refere-se pelo nome) como uma mulher comum, sem uma beleza ou inteligência excepcional e que jamais despertou-lhe emoções intensas. Pelo contrário, vê nessa banalidade do relacionamento dos dois sua maior qualidade: a mulher é alguém que limpa a casa, faz sua comida e com quem pode manter relações sexuais sem ter que pensar muito sobre essas coisas. A única reclamação que tem é o hábito da esposa de não usar sutiã.
            Um dia, sua esposa decide parar de comer carne após ter um sonho – e as descrições desse sonho são um dos únicos vislumbres que temos da sua interioridade – e parar de prepará-la também. Em um primeiro momento, ele acredita ser algo passageiro, mas conforme sua esposa mantém firme a resolução, o casamento dos dois começa a desmoronar. O conflito culmina em um almoço em família, em que os pais de Yeong-hye tentam intervir, mas acabam levando-a a uma tentativa de suicídio e subsequente internação.
            A segunda novela chama-se “A mancha mongólica” e é narrada pelo cunhado de Yeong-hye, um artista audiovisual que vive efetivamente sustentado pela esposa, com quem tem um filho pequeno.  Ele é quem leva a desacordada Yeong-hye ao hospital e começa a nutir uma obsessão por ela ao descobrir que, assim como seu filho, ela possui uma mancha mongólica esverdeada, mas na nádega. Essa mancha desencadeia uma visão artística cuja força o impele a arriscar seu casamento para vê-la concretizada em um controverso trabalho.
            Por fim, “Árvores-flamas” traz a visão da irmã mais velha de Yeong-hye, sua sensação de culpa por ter superado as dificuldades da infância e por ter falhado em proteger a irmã dos homens em sua vida – o pai, o marido de Yeong-hye e o seu próprio marido. A proximidade que o laço entre as duas cria faz com que ela seja a única a perceber a fragilidade da irmã e também com que, ao acompanhar sua loucura, sinta intensamente quão próxima está de perder-se - seu filho é a âncora que a prende ainda na realidade, um tipo de relação que Yeong-hye desconhece.
            Yeong-hye não torna-se simplesmente vegetariana como uma decisão política e consciente, mas sim cai irresistivelmente em um processo de lenta metamorfose kafkiana, deixando o mundo dos seres vivos para, dolorosamente, fazer parte do mundo vegetal. A prosa belíssima de Han Kang adapta-se aos seus narradores de maneira brilhante -  a aridez da primeira novela, contaminada pela total falta de sensibilidade e imaginação de seu narrador, a idealização exagerada da figura de Yeong-hye na segunda, dessa vez contamidade pelo excesso de sensiblidade e imaginação de quem narra e, por fim, o relato amoroso e sofrido da irmã e mulher na terceira juntam-se para humanizar a protagonista do romance e fazer-nos sentir a agonia da sua impossibilidade de comunicação – ela é uma figura que em mãos menos talentosas poderia ser caricata, mas que aqui é uma vítima dos papéis que lhe são impostos, cujo sofrimento pungente comove na sua recusa de exercer qualquer tipo de papel predatório. A tradução dá conta do recado, trazendo informações importantes sobre alguns pronomes de tratamento e até mesmo culinária da Coréia, porém a diagramação e tratamento do texto deixam a desejar. De qualquer forma, A vegetariana é uma obra marcante, belíssima e que merece o reconhecimeto que tem angariado recentemente.

Nota:  ❤❤❤❤❤

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