sexta-feira, 1 de abril de 2016

Minha vida de menina, Helena Morley

Título: Minha Vida de Menina
Autor: Helena Morley
Edição: São Paulo, Companhia das Letras, 1998

            Minha vida de menina é o único livro de Helena Morley, pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant, o que só aumenta o fascínio em torno dele. Trata-se de uma coletânea de entradas do diário que a autora manteve, incentivada pelo pai, durante a sua meninice na Diamantina de 1893 até 1895 e que foram posteriormente organizadas para a publicação pela primeira vez em 1942. A obra é considerada uma pitoresca representação da vida do interior mineiro e sua prosa despojada parece adiantar a proposta modernista, o que fez com que alguns críticos considerarem uma revisão posterior por parte da autora. 
            Helena narra uma vida simples com seus pais, irmão e irmã em uma casa no campo, próxima também da propriedade de sua abastada avó que a tem como neta favorita. Apesar disso, as condições da família são bastante precárias, uma vez que seu pai trabalha com mineração e os rendimentos oscilam de acordo com sua sorte.
            Não há tanto espaço assim para sofrimentos na mente ativa de Helena e ela é uma figura carismática para o leitor tanto quanto para seus familiares – é inteligente e vivaz, afeita ao trabalho que a mantenha ocupada, em especial o físico e de uma sinceridade cômica e mal contida. Apesar das restrições da época, Helena é incentivada por sua família a seguir pensando independentemente e é admirada por todos por sua inteligência.
            As memórias aqui retratadas permitem uma visão interessante das relações sociais em um país em que o fim do regime escravocata era recente e em que a corrida do ouro perdia o gás. As relações de dependência entre as classes sociais, as superstições locais, as relações familiares ameaçadas pelos conflitos ocasionados pelo dinheiro e pela competitividade e o espírito não-conformista de Helena fazem com que as entradas tenham um tom de lição, encerradas sempre por meio de uma observação afiada, questionando a ordem das coisas. Ao longo do livro, acompanhamos a vida da protagonista e seu desenvolvimento,  o que o aproximando também de um romance de formação, apesar de ser um diário.
            Ainda sobre a obra, Roberto Schwarz escreveu o brilhante ensaio “Outra Capitu” em que analisa como o caráter progresssista das relações sociais descritas na obra – preconceitos, superstição e costumes são alvo da análise implacável de Helena – deve-se, principalmente, ao momento ecônomico do país que incentivou um afrouxamento na centralização do poder patriarcal, além da influência protestante exercida pelo lado inglês da família Morley. Schwarz aponta as semelhanças entre as origens de Helena e Capitu em um ensaio que vale a leitura para os interessados nas representações literárias deste período histórico do Brasil.
            A prosa episódica, objetiva e sem rodeios é cativante e consegue manter a atenção do leitor – o suficiente para, também, dispertar a interessante discussão sobre o quanto dela é produto da espontaniedade infantil e quanto é artifício. Ao mesmo tempo, é uma leitura que atinge um amplo público, com potencial para agradar aos mais novos também. A escrita de Helena Morley consegue retratar de maneira colorida um período intenso pelo qual as meninas passam, coincidindo aqui com um período intenso de nosso país. Com sua entrada na lista de livros obrigatórios da FUVEST, podemos contar com seu retorno às livrarias. 

Nota: ❤❤❤❤

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