Autor: Helena Morley
Edição: São Paulo, Companhia das Letras, 1998
Minha vida de menina é o único livro de
Helena Morley, pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant, o que só aumenta o
fascínio em torno dele. Trata-se de uma coletânea de entradas do diário que a
autora manteve, incentivada pelo pai, durante a sua meninice na Diamantina de
1893 até 1895 e que foram posteriormente organizadas para a publicação pela
primeira vez em 1942. A obra é considerada uma pitoresca representação da vida
do interior mineiro e sua prosa despojada parece adiantar a proposta
modernista, o que fez com que alguns críticos considerarem uma revisão
posterior por parte da autora.
Helena
narra uma vida simples com seus pais, irmão e irmã em uma casa no campo,
próxima também da propriedade de sua abastada avó que a tem como neta favorita.
Apesar disso, as condições da família são bastante precárias, uma vez que seu
pai trabalha com mineração e os rendimentos oscilam de acordo com sua sorte.
Não
há tanto espaço assim para sofrimentos na mente ativa de Helena e ela é uma
figura carismática para o leitor tanto quanto para seus familiares – é
inteligente e vivaz, afeita ao trabalho que a mantenha ocupada, em especial o
físico e de uma sinceridade cômica e mal contida. Apesar das restrições da época,
Helena é incentivada por sua família a seguir pensando independentemente e é
admirada por todos por sua inteligência.
As
memórias aqui retratadas permitem uma visão interessante das relações sociais
em um país em que o fim do regime escravocata era recente e em que a corrida do
ouro perdia o gás. As relações de dependência entre as classes sociais, as
superstições locais, as relações familiares ameaçadas pelos conflitos
ocasionados pelo dinheiro e pela competitividade e o espírito não-conformista
de Helena fazem com que as entradas tenham um tom de lição, encerradas sempre
por meio de uma observação afiada, questionando a ordem das coisas. Ao longo do
livro, acompanhamos a vida da protagonista e seu desenvolvimento, o que o aproximando também de um romance de
formação, apesar de ser um diário.
Ainda
sobre a obra, Roberto Schwarz escreveu o brilhante ensaio “Outra Capitu” em que
analisa como o caráter progresssista das relações sociais descritas na obra –
preconceitos, superstição e costumes são alvo da análise implacável de Helena –
deve-se, principalmente, ao momento ecônomico do país que incentivou um
afrouxamento na centralização do poder patriarcal, além da influência
protestante exercida pelo lado inglês da família Morley. Schwarz aponta as
semelhanças entre as origens de Helena e Capitu em um ensaio que vale a leitura
para os interessados nas representações literárias deste período histórico do
Brasil.
A
prosa episódica, objetiva e sem rodeios é cativante e consegue manter a atenção
do leitor – o suficiente para, também, dispertar a interessante discussão sobre
o quanto dela é produto da espontaniedade infantil e quanto é artifício. Ao mesmo
tempo, é uma leitura que atinge um amplo público, com potencial para agradar
aos mais novos também. A escrita de Helena Morley consegue retratar de maneira
colorida um período intenso pelo qual as meninas passam, coincidindo aqui com
um período intenso de nosso país. Com sua entrada na lista de livros obrigatórios
da FUVEST, podemos contar com seu retorno às livrarias.
Nota: ❤❤❤❤
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