terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O coração é um caçador solitário, Carson McCullers

Título original: The heart is a lonely hunter
Tradução: Sonia Moreira
Edição: Companhia das Letras, 2007.

            O coração é um caçador solitário é o romance de estreia da autora norte-americana Carson McCullers, publicado pela primeira vez em 1940. O livro foi sucesso de público, colocando sua autora na lista de mais vendidos.
            O cenário do romance é em uma cidade do sul dos Estados Unidos no final da década de 30. Os capítulos alternam o foco narrativo de um personagem para o outro, como inicial apresentando-nos à amizade entre os únicos mudos da cidade – o grego Antanapoulos e o judeu Singer. A rotina calma dos dois deixa de existir quando Antanapoulos começa a apresentar comportamento violento, desencadeando a decisão de sua família de interná-lo. Singer vai morar em um quarto de um pensionato e, aos poucos, novas figuras começam a surgir em sua vida.
            Biff Brannon é dono de um restaurante em que trabalha com sua mulher, Alice. Tem como hábito acompanhar avidamente as notícias e arquivar jornais. Mick é filha dos donos do pensionato e obcecada com música. Seu maior desejo é poder aprender a tocar um instrumento, mas as condições de sua família fazem desse um sonho impossível. Jake Blount, de passagem na cidade, é um trabalhador que sonha com uma revolução comunista. Benedict Copeland é o médico da cidade, que trabalha exaustivamente e vê em seus filhos o fracasso do sonho de superar pelo estudo o terrível fardo da escravidão que carregam os negros americanos. Singer é o ponto fixo em torno do qual esses personagens orbitam, ocasionalmente vislumbrando uns aos outros e, dois momentos pivotais do livro, encontrando-se todos.
            A amizade de Singer com essas pessoas é fudamentada, principalmente, no desejo delas por comunicação. Sua mudez o faz quase um ser místico para os personagens que enxergam no seu silêncio a compreensão de suas angústias mais internas, que hesitam em verbalizar com alguém que possa de fato respondê-los. Singer, no entanto, sente-se solitário sem Antanapoulos - seus sentimentos por ele são próximos aos de ordem romântica, mas em nenhum momento é explicitado se é essa a natureza do relacionamento dos dois – e enxerga nessas pessoas a representação da ausência da compreensão que acreditava encontrar em seu amigo mudo.
            A impossibilidade da comunicação real e suas consequências é o fio condutor da narrativa e também o guia os personagens aos seus desfechos: os planos arruinados de Mick, o fracasso do sonho de Dr. Copeland, a desistência e partida de Jake e a solidão cada vez mais intensa de Biff. A prosa de McCullers é fluída e objetiva, mudando levemente seu tom para dar conta melhor do personagem que recebe o foco narrativo em cada capítulo. São particularmente pungentes os capítulos dedicados ao Dr. Copeland e à Mick. Apesar da vida miserável e árida das suas personagens, a autora acerta ao conferir às vidas interiores deles – Mick, inclusive, explicita essa divisão ao referir-se à sua obsessão com música e com Singer como “o mundo de dentro” – é complexa e rica e a negociação entre a realidade e a interioridade surge como um processo dolorido reservado a todos os personagens.
            Publicado quando a autora tinha apenas 23 anos, O coração é um caçador solitário explora a miséria humana enquanto consciente das diferentes forças sociais que a causam, criando uma vívida imagem e personagens tocantes e complexas. 

Nota: